terça-feira, 6 de maio de 2014

Sinais dos Tempos - Alvaro Abreu

Fevereiro começou com festa de comemoração dos trinta anos da nossa caçula. Festa animada, dessas de quase varar a noite, som alto na caixa em pista de dança improvisada, cardápio à base de comida tailandesa, carregada na pimenta, e regada a cerveja, prosseco e muitos mojitos. Meu pessoal gosta de inventar moda e juntar amigos e parentes para comemorar alguma coisa que justifique e mereça a trabalheira que dá fazer festa em casa. E posso garantir que, também dessa vez, não foi pouca não.

A preparação começou, faz tempo, com a pesquisa de receitas na internet. Não participei dessa etapa, mas posso imaginar as dúvidas em escolher os pratos do cardápio, sem ao menos conhecer os sabores. Ao que tudo indica, os critérios privilegiaram aspectos relacionados com a facilidade do preparo e praticidade para servir porções individuais. Fora isso, foi inteiramente produzido um grande lustre com colares de contas, pendurou-se muitos enfeites de papel de seda feitos por mãos familiares, distribuiu-se pelos cantos da casa grande quantidade de flores tropicais trazidas do sítio do pai de um grande amigo e montou-se lá fora uma base de apoio para o pessoal preparar bebidas personalizadas. Uma seleção de música do tipo bate-estaca, rock pesado, axé e funk fora especialmente feita por um outro amigo, aprendiz de DJ. A cozinha foi arrumada para facilitar a finalização das comidas e canapés em escala. Só não foi possível minimizar o calorão nem fazer circular um ventinho sequer. O pessoal derreteu na pista.

Bem me lembro de quando Carol completou trinta anos. Morávamos em Brasília e ela já tinha quatro filhos e logo depois estaria grávida da nossa raspa de tacho. Os tempos eram outros, bem diferentes. Casava-se bem mais cedo e os primeiros filhos, muitos ou poucos, nasciam nos primeiros anos do casamento. Até aí tudo bem, mas ser chamada de trintona por um grande amigo foi o suficiente para ela reagir de uma forma contundente, para espanto dos que participavam do jantar de comemoração. A expressão trintona deve ter soado como uma bomba na sua alma de mulher jovial. Deve ter doído bastante ao se pensar pela primeira vez como uma balzaca. Para aliviar, um dos convidados achou por bem cantar trecho de um famoso samba-canção que enaltecia a mulher de trinta. Cantou com voz anasalada, bem ao estilo do cantor Miltinho, que durante décadas fez sucesso com ele.

Ao ouvir a história da mãe trintona durante o almoço de muitas bocas, a aniversariante centro das atenções disse que não era trintona coisa nenhuma. Cheia de si e com cara de poderosa, declarou, em alto e bom som, que estava mesmo é se sentindo uma "trintíssima", no que foi aplaudida com entusiasmo pelos comensais.

Sinal dos tempos mesmo aconteceu na véspera: a novela oficializou o beijo gay e, ao que tudo indica, recebeu a aprovação geral. Por ceto, um divisor de águas nos valores da população brasileira. No final dos anos setenta, pude constatar a força de impacto da TV no Brasil caboclo, inovando costumes e autorizando comportamentos. Convidados por um casal de amigos, fomos bater num baile de clube numa cidadezinha no interior da Paraíba, onde praticamente todas as mulheres haviam adotado a moda do bustiê, deixando à mostra uma faixa de barriga de largura inversamente proporcional à da autoridade paterna. A novela, não me lembro se "Água Viva" ou "Dancing Days", mostrava a vida das mocinhas charmosas de Ipanema para as do interior do Nordeste.
Vida longa e animada para as "trintíssimas"!

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